FC Porto

O início do fim

Tão grave quanto os socos e pontapés no Dragão Arena foi o silêncio de Pinto da Costa sobre uma das noites mais negras da história de um grande clube

As cenas de violência verbal e física que se registaram na noite e início de madrugada no Estádio do Dragão e no Dragão Arena tiveram tanto de deploráveis como esperadas. Nada do que se passou surpreendeu quem acompanha minimamente o fenómeno da bola e o modus operandi do FC Porto.

Em mais de 40 anos à frente dos destinos do maior clube do Norte do país e um dos melhores da Europa, ao mesmo tempo que criou uma cultura vencedora Pinto da Costa também fomentou ódios de todo o género, como se uma coisa dependesse da outra, como se a afirmação de um emblema só fosse possível numa lógica de confrontação tribal, contra tudo e contra todos.

Chega a ser penoso assistir, em 2023, a comportamentos que não diferem assim tanto de muitos atos nas décadas de 80 e 90 do século passado contra adversários, jornalistas ou com quem ousasse questionar o líder dos azuis e brancos. Só que desta vez o inimigo (palavra tantas vezes atirada para a frente como a cenoura para fazer andar o burro) veste as mesmas cores. De repente, a narrativa deixou de fazer sentido.

A história mostra-nos que a queda de todos os grandes impérios começa por dentro. É isso que parece estar a acontecer na Invicta. É bom lembrar que nas eleições de 2020 e em plena pandemia, o advogado José Fernando Rio conseguiu, sem qualquer estrutura e apenas com um discurso racional, apontando para os buracos que já estavam à vista na nau, atingir quase 30 por cento dos votos. O sinal estava dado. Mais de três anos depois, com contas desastrosas e sem a gravitas do passado, Pinto da Costa deverá ter, em 2024, um adversário como André Villas-Boas, que reúne tudo aquilo que o FC Porto  não tem atualmente: um horizonte de modernidade. Tão grave quanto os socos e pontapés do Dragão Arena foi o silêncio, cúmplice, do presidente do clube, refugiando-se num comunicado onde se faz referência, pasme-se, à «cultura democrática». Se há coisa que não desaparece é o famoso sentido de humor refinado de PdC.

A noite negra» no Dragão, para citar Villas-Boas, aconteceu não muitos dias depois do comportamento vergonhoso de uma minoria de adeptos do Benfica  que deflagaram tochas no estádio da Real Sociedad , em San Sebastián, chegando ao ponto de interromper a partida, poucas horas depois de muitos deles terem participado em lutas de rua com ultras espanhóis. Ainda não se sabe qual será a pena aplicada pelo hooliganismo dos benfiquistas, admite-se apenas que a UEFA deverá ter mão pesada (as águias podem vir a ter de jogar à porta fechada nas competições europeias), o que expõe mais uma vez um problema das Direções do grandes clubes portugueses. Uns por pouco ou nada fazerem, outros porque transformaram as claques em aliados, o radicalismo continua a tomar conta de muitos acontecimentos oficiais dos emblemas em causa.

Mas se nos jogos oficiais, apesar de tudo, ainda há alguma capacidade de controlo, numa Assembleia Geral a conversa é outra, permitindo-se o uso de poder descricionário de quem não quer perder o status quo.

Há 25 anos lembro-me de estar a cobrir uma Assembleia Geral do Benfica no tempo da Direção de Vale e Azevedo e de o presidente à data virar-se para os adeptos e dizer o seguinte: «Sabem de quem é a culpa dos problemas do nosso querido clube? São destes senhores!» Os «senhores» eram os membros da imprensa, sentados numa mesa lateral, que por muito pouco não sentiram fisicamente a ira que sócios como Rui Gomes da Silva, Torres Couto e outros foram vítimas em Assembleias Gerais vulcânicas.

Como exercício de curiosidade, recordo-me de ter perguntado a muitos benfiquistas, nos anos seguintes, se tinham votado em Vale e Azevedo. Tirando uma ou outra exceção, todos disseram que não. O espírito de sobrevivência leva muitas vezes o ser humano apagar certas imagens da memória e talvez daqui a 25 anos não haverá ninguém a admitir ter participado numa AG do FC Porto que ficará para a história, muito provavelmente, como o início do fim de um reinado.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo